Introdução
As contribuições teóricas do pedagogo
brasileiro Paulo Freire vêm sendo aplicadas por um sem-número
de estudiosos nas mais diversas áreas de conhecimento. Além
da Educação, o trabalho de Paulo Freire é utilizado
em áreas como Filosofia, Lingüística, Teologia, e até
em ciências biológicas e exatas como Medicina e Matemática.
Na área de Comunicação, suas idéias influenciam
principalmente estudos de comunicação e cultura, comunicação
popular, recepção e educação para a mídia
(COGO, 1999). Entretanto, na sub-área do Jornalismo, o pensamento
de Freire tem sido escassamente aplicado, por razões que certamente
têm raízes históricas e políticas (MEDITSCH,
2002a, 2002b).
A aplicação das idéias de Freire no Jornalismo, inicialmente,
pode causar estranhamento, visto que o campo nunca foi uma preocupação
central nas obras do pedagogo. Mas, analisando-se em profundidade as suas
teorias, é possível verificar que podem ser aplicadas também
no Jornalismo, tanto por sua universalidade como pela utilidade de suas
concepções de “diálogo”, “rigor”, “leitura do mundo”,
“percepção crítica da realidade”, entre tantas outras,
também nesta prática social.
Este trabalho não pretende remontar toda uma teoria de Paulo Freire
sobre a prática jornalística e midiática, pois, conforme
foi apurado, o pedagogo não chegou a formular conceitos específicos
sobre o assunto. Entretanto, há que se considerar que Paulo Freire
tinha opiniões formadas sobre várias questões fundamentais
em Jornalismo, como controle de informação, liberdade de
imprensa, censura, neutralidade dos meios de comunicação,
entre outras. Estas idéias - embora encontrem-se fragmentadas em
sua obra bibliográfica, em trechos de suas falas e nas recordações
dos que vivenciaram com ele a experiência de analisar criticamente
a imprensa – merecem ser trazidas à tona porque são inéditas
e originais, estando ainda dispersas, quando não restritas à
memória efêmera das pessoas que lhe foram próximas.
Por suas limitações, esta pesquisa limita-se a trazer alguns
conceitos básicos da atividade jornalística e considerações
sobre o papel da mídia na sociedade, analisados segundo a ótica
e a filosofia de Paulo Freire. De maneira alguma a pesquisa pretende esgotar
o assunto, mas sim abrir possibilidades para outras aplicações
das muitas idéias de Freire nas práticas jornalísticas
e midiáticas.
Metodologia
Esta pesquisa é baseada em entrevistas qualitativas
e na análise de livros e outros documentos. Uma das entrevistas,
inédita, de Paulo Freire, foi realizada por Eduardo Meditsch na
casa do pedagogo, em São Paulo, em 1987. As demais, com pessoas
de seu círculo pessoal e profissional, foram realizadas por correio
eletrônico (e-mail) ou gravadas por telefone, por Mariana Bittencourt
Faraco, em 2002. A opção por estas técnicas foi feita
pela limitação de recursos, já que os entrevistados
encontravam-se dispersos por várias regiões do Brasil ou
fora do país.
De todas as fontes de informação procuradas no círculo
íntimo do pensador, quatro concordaram em ter suas entrevistas
reproduzidas neste trabalho, e são destas os depoimentos mais relevantes.
Outras pessoas consultadas, embora tenham tido um contato próximo
com o pensamento de Paulo Freire, não tinham conhecimento de uma
questão tão específica como as suas posições
sobre Jornalismo e, portanto, não se consideraram capazes de formular
relações entre as duas coisas. Assim, os esforços
foram direcionados na tentativa de encontrar as pessoas que realmente
poderiam dar contribuições na perspectiva proposta com profundidade
e fidelidade, sem se limitar a impressões superficiais. Priorizou-se
a qualidade das revelações e o interesse dos entrevistados
pelas questões colocadas. Evidentemente, outras fontes forneceram
informações adicionais para o desenvolvimento deste trabalho.
A Comunicação, a Mídia e o Jornalismo
por Paulo Freire
Antes de abordar a questão específica do
Jornalismo, é importante contextualizar o pensamento de Freire
em relação a uma área mais abrangente, a da comunicação
humana, em que se fundamentam muitos de seus conceitos sobre mídia
e Jornalismo, objetos principais deste estudo e que serão abordados
na seqüência.
Paulo Freire estabeleceu seu conceito geral e mais objetivo de Comunicação
em 1971: “Comunicação [é] a co-participação
dos Sujeitos no ato de pensar (...) [ela] implica uma reciprocidade que
não pode ser rompida (...) comunicação é diálogo
na medida em que não é transferência de saber, mas
um encontro de Sujeitos interlocutores que buscam a significação
dos significados.”(FREIRE, 1971:67-9)
Em suas demais obras, em especial nos últimos livros, é
possível encontrar afirmações que, mesmo em contextos
diferentes, destacam a importância dos processos de comunicação
na constituição do conhecimento. Num de seus últimos
escritos, ao retomar a questão do que seria “um pensar certo”,
Freire afirma que é uma questão dialógica: “....não
há inteligibilidade que não seja comunicação”.
(FREIRE, 1996:42). Mais de duas décadas antes, o pedagogo havia
tratado da importância do diálogo, matéria-prima da
comunicação, na constituição de uma educação
autêntica: “Somente o diálogo, que implica num pensar crítico,
é capaz, também, de gerá-lo. Sem ele, não
há comunicação e sem esta, não há verdadeira
educação (...) A educação autêntica
não se faz de A para B ou de A sobre B, mas de A com B, mediatizados
pelo mundo”(FREIRE, 1970:98).
Entretanto, como demonstra o estudo de Venício LIMA (1981) , a
produção teórica de Freire referiu-se a problemas
mais universais da comunicação humana, propondo um novo
conceito para defini-la, não tratando especificamente da comunicação
de massa. Anos depois deste estudo, Freire exporia suas idéias
a respeito deste tipo de comunicação de maneira informal,
mas não menos importante, em um de seus livros dialogados com Sérgio
Guimarães:
“...mesmo quando não venho tratando desses
chamados meios de comunicação em trabalhos meus anteriores,
mesmo quando não falo diretamente sobre eles, eu os considero,
por exemplo, dentro do horizonte geral da teoria do conhecimento que
venho desenvolvendo nos meus trabalhos sobre educação.
Não os trato diretamente, no sentido de que eles não
são objeto de um estudo técnico, cientificamente válido.”
(FREIRE & GUIMARÃES, 1984:40). |
A análise das entrevistas realizadas com familiares e colegas de
Freire, com o fim de apurar seus hábitos de consumo de informação
e suas idéias sobre Jornalismo, permite afirmar que ele tinha uma
postura crítica em relação à imprensa, que
seria, de certa forma, análoga a seu pensamento sobre educação.
Conforme depoimento de Lutegardes da Costa Freire, seu filho mais novo
que trabalha na preservação e divulgação de
seu pensamento através do Instituto Paulo Freire, o pedagogo teve,
ao longo de sua vida, um consumo “grande ou razoável da mídia”:
“Ainda no Recife, costumava escutar muito rádio. Durante o período
do exílio, sempre se mantinha informado, principalmente pelos jornais”
(entrevista em 04/03/2002).
Ana Maria Araújo Freire, esposa do pedagogo de 1988 até
1997, ano de sua morte, confirma que Freire costumava ouvir rádio
em Recife, onde viveu até os 42 anos de idade. Entretanto, seus
hábitos de consumo de informação mudaram com o surgimento
da televisão: “Quando me casei com Paulo, ele raramente ouvia o
rádio enquanto notícia, embora fosse durante sua infância
e juventude o meio mais eficiente, já que nos anos 40 e 50, o rádio
representava o meio de comunicação por excelência”
(entrevista em 08/04/2002).
Embora tenha conhecido Paulo Freire aos quatro anos de idade, Ana Maria
Araújo Freire manteve contatos apenas esporádicos com o
pedagogo ao longo dos anos, não sendo capaz de informar com detalhes
sobre seus hábitos de consumo de informação até
que se casassem. Porém, cita dois jornais que Freire costumava
ler em Recife: o Diário de Pernambuco e o Jornal do
Commércio.
Quando passou a morar em São Paulo, Freire lia alguns jornais,
sobretudo a Folha de São Paulo:
“Tinha períodos em que assinávamos,
em outros comprávamos na banca, a pessoa que trabalhava com
a gente comprava pão e já trazia o jornal. (...) Quando
ele voltou do exílio, [a Folha] era o jornal que se dizia mais
progressista, o que na verdade era. Agora, muitas vezes, Paulo dizia:
‘É preferível o Estado de São Paulo, que se declara
logo de direita, do que jornais de esquerda que deformam o próprio
pensamento’. Ele tinha sérias críticas ao jornal como
à toda imprensa escrita , televisada e falada.” (ANA MARIA
ARAÙJO FREIRE, entrevista em 08/04/2002) |
A diferenciação entre meios e veículos
De fato, Freire mencionou o jornal Folha de São Paulo
ao discorrer sobre as diferenças entre os meios de comunicação,
quando afirmava que a recepção da notícia escrita,
que pode ser lida, guardada e relida, seria diferente daquela veiculada
pela televisão, que ele identificou como “informação
que passa a fundo perdido”:
“ De um lado, portanto, está a força
do próprio aparelho, a força da imagem que aparece no
vídeo, que não é palpável e que, portanto,
sugere algo que é e não é. Uma espécie
assim de força misteriosa, espiritual, a que o aparelho traz:
está perto e ao mesmo tempo está longe; vejo e ouço,
mas não pego, como coisa de Espírito Santo. Mas, além
disso tudo, ou pondo tudo isso de lado, há um elemento que,
em certo sentido, reforça, assusta, apavora o telespectador:
é que, quando tu apareces lá, o que está cá,
mesmo sem fazer uma reflexão sobre, lá no mais fundo
dele mesmo, se sente entre milhões diante de ti. No fundo,
tu estás e não estás só e o que está
aqui, está e não está só. Há um
elo misterioso, e é talvez essa “misteriosidade” que me dá
a perceber uma veracidade no discurso de lá. É que,
no fundo, está havendo, assim, uma espécie de solidariedade
invisível entre milhões que estão ouvindo e vendo
aquilo. ... diante do meu exemplar da Folha de São Paulo, em
casa, não tenho de maneira nenhuma a sensação
de que há milhares de pessoas, também, com aquele jornal.
E, no entanto, a Folha tem uma enorme circulação. Mas
o jornal já não me provoca essa sensação
de solidariedade que a televisão provoca.” (FREIRE & GUIMARÃES,
1984:37-38) |
Quanto à distinção que Paulo Freire fazia dos meios
de comunicação, Sérgio Guimarães afirma que
as diferenças percebidas diziam respeito igualmente à incorporação
das informações no cotidiano do público, tema também
abordado no livro (FREIRE & GUIMARÃES, 1984:23-37). Utilizando
parâmetros diferentes dos de Marshall McLuhan (que classificava
a TV de seu tempo como um “meio frio”) e considerando a abordagem emotiva,
Guimarães remonta a classificação de Freire sobre
a televisão como “meio quente” e o jornal, como “frio”:
“Freire mesmo coloca a diferença entre um
meio que seria mais quente, o da televisão, que teria uma abordagem
mais emotiva, que mexe mais com o vivo da pessoa, com as emoções,
e um meio mais frio, como o jornal, onde o que aparece não
é o instrumento ao vivo. No caso do jornal, você controla
o ritmo com que assimila as informações, volta páginas
atrás, compara diferentes aspectos da mensagem, aquilo que
na televisão já é mais difícil de se fazer.
É claro que você, hoje, com o avanço da tecnologia,
pode gravar o programa e fazer uma revisão crítica.
Mas já naquela época, mesmo quando a tecnologia ainda
não era tão avançada como hoje, Paulo já
distinguia meios como a televisão e o jornal.” (SÉRGIO
GUIMARÃES, entrevista em 06/05/2002) |
De acordo com depoimento de Ana Maria Araújo Freire, Paulo Freire
assumia postura crítica frente ao noticiário televisivo,
e comparava os telejornais entre si para ver o modo como as notícias
eram tratadas:
“Nós assistíamos diariamente aos telejornais,
poderia ser tanto o do Bóris Casoy como o Jornal Nacional.
Esporadicamente, assistíamos aos dois e, às vezes, também
ao jornal da Cultura, para que Paulo pudesse analisar e procurar mais
fidelidade ao fato que estava sendo narrado, para ver as deformações
pelos interesses ideológicos e políticos que as emissoras
transmitem.(...) Muitas vezes, ele chegava até a se irritar
pela forma às vezes superficial e omissa de [ o Jornal Nacional
] dizer de fato a coisa, manipulando trechos de entrevista que tínhamos
visto em outra emissora, induzindo a opinião pública
a perpetuar a sociedade vigente. Foi contra essa sociedade que Paulo
esteve sempre contra, e por isso pagou com quase 16 anos de exílio.”
(ANA MARIA ARAÚJO FREIRE, entrevista em 08/04/2002) |
Ana Maria Araújo Freire confirma que o pedagogo via de maneiras
diferentes as notícias da televisão e dos jornais, e acrescenta
que ele sempre assumia uma postura crítica:
“O jornais do Brasil se dedicam mais às
notícias, às problemáticas, aos interesses, aos
gostos e às aspiraçães do povo brasileiro, embora
mostrem várias questões internacionais. A televisão,
sobretudo a Globo, procura sempre o aperfeiçoamento, há
uma avidez de chegar a uma perfeição técnica
(...) mas Paulo dizia que era preciso “analisar criticamente”. Por
que foi dito isto e não aquilo, por que no jornal apareceu
essa parte e não aquela? Sabe, Paulo tinha o hábito
de analisar criticamente o que ele via, o que ele ouvia, o que ele
observava. Inclusive, foi assim que ele criou sua teoria do conhecimento.
Foi ouvindo o povo, guardando dentro dele, no coração,
no seu palpitar, na sua sensibilidade (...) é esse “sentir
de emoção” que leva ao raciocínio lógico.
Paulo sentia as notícias ao ouví-las, comparava-as entre
si, para fazer uma análise crítica do fato: aonde essa
emissora quer chegar, que mensagem e que ideologia quer passar para
a grande população.” (ANA MARIA ARAÚJO FREIRE,
entrevista em 08/04/2002) |
Entretanto, a crítica de Freire sobre a televisão relaciona-se
mais às formas de utilização e transmissão
de mensagens unidirecionais do que ao meio em si:
“Ao pensar sobre o problema dos chamados meios de
comunicação, portanto, fica claro, logo assim de saída,
que me sinto um homem de meu tempo. Não sou contra a televisão.
Acho, porém, que é impossível pensar o problema
dos meios sem pensar a questão do poder. O que vale dizer:
os meios de comunicação não são bons nem
ruins em si mesmos. Servindo-se de técnicas, eles são
o resultado do avanço da tecnologia, são expressões
da criatividade humana, da ciência desenvolvida pelo ser humano.
O problema é perguntar a serviço de que e a serviço
de quem os meios de comunicação se acham.” (FREIRE &
GUIMARÃES, 1984:14) |
Em uma das poucas ocasiões em que se refere especificamente à
questão da sintaxe do Jornalismo televisivo, FREIRE (1996: 157)
atenta para a impressão que os telejornais passam para o público
- de que “o que ainda não há já está feito”.
Freire especificaria esta idéia no mesmo ano, em uma comunicação
originalmente apresentada na conferência Mídia e Democracia
e posteriormente publicada no livro Pedagogia da Indignação
(2000). No texto, Freire considera que a ideologização dos
meios de comunicação relaciona-se com a falta de percepção
crítica da realidade, que só pode ser obtida – como tratou
em Educação como Prática da Liberdade (1967)
- através da passagem do nível de consciência intransitivo
para o transitivo ingênuo, e daí para o transitivo crítico:
“(...) A questão fundamental que se coloca
a nós, qualquer que seja a inteligência da frase alfabetização
em televisão não é lutar contra a televisão,
uma luta sem sentido, mas como estimular o desenvolvimento e o pensar
críticos. Como desocultar verdades escondidas, como desmitificar
a farsa ideológica, espécie de arapuca atraente em que
facilmente caímos. Como enfrentar o extraordinário poder
da mídia, da linguagem da televisão, da sua ‘sintaxe’
que reduz a um mesmo plano o passado e o presente e sugere que o que
ainda não há já está feito. Mais ainda,
que diversifica temáticas no noticiário sem que haja
tempo para a reflexão sobre os variados assuntos. De uma notícia
sobre Miss Brasil se passa a um terremoto na China; de um escândalo
envolvendo mais um banco dilapidado por diretores inescrupulosos temos
cenas de um trem que descarrilou em Zurich.” (FREIRE, 2000:109) |
É preciso ponderar que a crítica de Freire, embora atribua
um papel decisivo e ideológico aos emissores na construção
da comunicação, não se fundamenta nas teorias que
delegam somente ao emissor a responsabilidade pelo sentido da informação
transmitida. Pelo contrário, Freire ressalta a importância
de o receptor - o público - ter uma visão crítica
sobre as notícias que lhe chegam:
“Não podemos nos pôr diante de um aparelho
de televisão “entregues” ou “disponíveis” ao que vier.
Quanto mais nos sentamos diante da televisão - há situações
de exceção - como quem, de férias, se abre ao
puro repouso e entretenimento tanto mais riscos corremos de tropeçar
na compreensão de fatos e de acontecimentos. A postura crítica
e desperta nos momentos necessários não pode faltar.(...)
Mas, se não é fácil estar permanentemente em
estado de alerta é possível saber que, não sendo
um demônio que nos espreita para nos esmagar, o televisor diante
do qual nos achamos não é tampouco um instrumento que
nos salva. Talvez seja melhor contar de um a dez antes de fazer a
afirmação categórica a que Wright Mills se refere:
“É verdade, ouvi no noticiário das vinte horas”. Como
educadores e educadoras progressistas não apenas não
podemos desconhecer a televisão mas devemos usá-la,
sobretudo, discuti-la.” (FREIRE, 2000: 110) |
A sub-utilização da mídia: uma questão política
Além da crítica aos meios, Freire também posicionava-se
perante os diversos veículos, considerando o potencial que tinham
e o que de fato realizavam. Na entrevista de 1987, Freire criticava sobretudo
a superficialidade da televisão brasileira, numa perspectiva comparativa
com a TV e a imprensa européia, com que havia convivido durante
quase uma década. Na sua opinião, a prevalência do
interesse comercial sobre a TV brasileira (e também norte-americana)
produzia um modelo de programação que não seria suportado
por um telespectador educado da França ou da Suíça.
Se por um lado manifestava a sua decepção com a mídia
brasileira – a ponto de negar entrevistas, por ver suas respostas desfiguradas
no contexto da programação comercial – esta perspectiva
expressava igualmente o otimismo de que, com pequenas mudanças
na sociedade (não seria necessária uma revolução
para tanto), a mídia tenderia a melhorar proporcionalmente.
A visão crítica de Freire sobre a imprensa também
é lembrada pelo jornalista Ricardo Kotscho, autor de um livro em
que intermedia diálogos entre Paulo Freire e Frei Betto (Essa
Escola Chamada Vida, 1986). Ele acrescenta considerações
do pedagogo sobre uma má ou sub-utilização da mídia:
“Paulo mostrava-se freqüentemente indignado
com a visão conservadora da mídia brasileira no trato
das questões sociais e o pequeno espaço dedicado à
discussão de assuntos ligados à educação.
Para ele, a mídia mostrava-se muitas vezes distante da realidade
brasileira, falando da elite para a elite. Como ele viajava muito
e gostava de se informar diretamente com os moradores sobre as condições
de vida nas comunidades visitadas, fazendo o papel de um repórter,
acabava tendo uma visão sobre a realidade brasileira conflitante
com a retratada pelos veículos da chamada grande imprensa.”
(RICARDO KOTSCHO, entrevista em 05/03/2002) |
Conforme Sérgio Guimarães, o pedagogo fazia, antes de tudo,
uma análise ideológica, perguntando-se a quem serve determinado
meio, a quem interessa. Essa posição é comprovada
em uma de suas obras com Freire: “O problema é perguntar a serviço
de quê e a serviço de quem os meios de comunicação
se acham. E esta é uma questão que tem a ver com o poder
e que é política, portanto”. (FREIRE & GUIMARÂES,
1984:14). Pode-se perceber que esta mesma linha de pensamento - a do “a
favor de quem e contra quem” - é utilizada por Freire em se tratando
também da relação entre educação e
política: “...tanto no caso do processo educativo quanto no do
ato político, uma das questões fundamentais é a clareza
em torno de a favor de quem e do quê, portanto contra quem e contra
o quê, desenvolvemos a atividade política.” (FREIRE, 1982:27).
Baseado nisso, Sérgio Guimarães acredita que a posição
de Paulo Freire em relação à mídia em geral
era eminentemente política.
“Ele costumava criticar muitas vezes a utilização
da mídia não como meio de comunicação,
mas como meio que se reduzia à transmissão de informações
e “comunicados”, de maneira unidirecional. Ou seja, uma preocupação
muito maior com a transferência de dados do que com a utilização
do canal para o contato entre pessoas, esse ir e vir das informações.
Esse tipo de crítica o Paulo já fazia na época:
as pessoas que manipulam esses meios estão mais preocupados
em “enfiar” na cabeça do povo determinadas informações.
Aí, se você considera toda a crítica que o Paulo
faz, através de uma idéia que ele desenvolveu bem, a
educação bancária, você pode transferir
essa crítica também à ação de diversos
meios de comunicação que, ao invés de estimular
a curiosidade, o exercício crítico por parte dos leitores,
ouvintes ou telespectadores, na verdade exercem um mero trabalho de
transmissão de informações, como se eles fossem
latas vazias que devem ser preenchidas com determinados conteúdos.”
(SÉRGIO GUIMARÃES, entrevista em 06/05/2002) |
Ana Maria Araújo Freire confirma que, mesmo no exílio, Freire
mantinha-se informado sobre os acontecimentos do país, o que de
certa forma, permitiu-lhe observar a ação da imprensa brasileira
em comparação à imprensa dos países onde viveu:
“Paulo entendia que durante os 15 anos de exílio,
durante este longo período no qual foi obrigado a estar fora
de seu país, o Brasil avançou em muitos aspectos, entre
outros no que se refere à imprensa escrita e televisiva. Ele
achava que a mídia não utilizava todos os recursos disponíveis
ou todos os aspectos bons e bonitos com os quais também construimos
o mundo. Que muitas vezes o jornalista se prende mais a um sensacionalismo
do que à verdade histórica, ao belo e ao bom.” (ANA
MARIA ARAÚJO FREIRE, entrevista em 08/04/2002) |
A neutralidade do jornalista
Muitos jornalistas, pela falta de rigor com a informação,
não se dão conta de que repetem o discurso da fonte, atendendo
a seus interesses e não aos do público. Esta idéia
equivocada de neutralidade não auxilia a objetividade jornalística,
mas a afasta do ideal da atividade: a busca pela verdade e pelo novo.
Nos livros em que Freire manifesta suas idéias sobre neutralidade,
em geral voltadas à prática educativa, ele assume uma postura
crítica também aplicável ao Jornalismo, o que significaria
a condenação do tipo de prática acima descrita .
Em uma de suas últimas obras, afirma que “a raiva perante a injustiça
nos impede de ser acinzentadamente imparciais, sem perder a ética”
(FREIRE, 1996:15). Este é um dos muitos argumentos utilizados por
Freire, ao longo de sua obra, para demonstrar que, tanto em Educação
como em Comunicação, é impossível ser totalmente
neutro.
No livro Educação e Mudança (FREIRE, 1981:15-25),
Freire faz algumas considerações sobre a ética nas
profissões, colocando em cheque a questão da neutralidade:
para o pedagogo, o compromisso de trabalho é uma visão lúcida
e profunda que o profissional assume no plano concreto e, para que o profissional
possa se comprometer, é necessário agir e refletir. Esse
“compromisso com o mundo, que deve ser humanizado para a humanização
dos homens, e que “não pode se realizar apenas através do
palavrório”, só existe no engajamento com a realidade” (FREIRE,
1981: 18-19). E ao experimentar esse compromisso, “os homens já
não se dizem neutros”. Para Freire, a neutralidade frente ao mundo
revela o medo deste compromisso.
“Os que se dizem neutros estão comprometidos consigo mesmos,
com seus interesses e com os interesses dos grupos aos quais pertencem.
E como este não é um compromisso verdadeiro, eles assumem
a neutralidade impossível. O verdadeiro compromisso é
a solidariedade, e não a solidariedade com os que negam o compromisso
solidário, mas com aqueles que, na situação concreta,
se encontram convertidos em ‘coisas’ ” (FREIRE, 1981:19). |
Na análise de Sérgio Guimarães, o texto de Paulo
Freire revela que o profissional precisa ser um “ser de práxis”,
não alguém que simplesmente aplica determinadas técnicas:
“Para que você entenda o problema da neutralidade, você
precisa fazer uma análise ideológica não só
do discurso, mas também das ações de quem se
diz neutro, e essa é a minha opinião também.
No fundo, a chamada neutralidade nada mais é do que a manifestação
ideológica de um compromisso enrustido, ou seja: um órgão
de comunicação que não quer manifestar claramente
seu compromisso, que não quer reconhecer que tem um compromisso
com determinado grupo ou com ele próprio, costuma sustentar
a ideologia da neutralidade. Pelo menos isso é o que me parece
fundamental destacar, entre os pontos que o Paulo desenvolve com relação
ao problema da neutralidade.” (SÉRGIO GUIMARÃES, entrevista
em 06/05/2002) |
Ana Maria Araújo Freire acredita que o jornalista deixa de ser
neutro já na escolha da fonte ou do objeto da reportagem, e que
essa escolha não é absolutamente intelectual, mas motivada
também por razões pessoais. Remontando o pensamento de Freire,
salienta a importância do estabelecimento de uma linha editorial
e ideológica clara do veículo de imprensa.
“O jornalista pode fazer uma invenção do seu pensar
ideológico e político no momento em que narra o fato:
o fato que eu vi, ou sobre o qual estou falando é este e se
fala dele da seguinte forma. Aí você pode dizer depois,
‘de fato eu tenho uma posição que se identifica com
essa hipótese ou com aquela, então a verdade não
implica uma neutralidade. Essa neutralidade que falam aí não
é a neutralidade que Paulo fala. O jornalista diz ‘tenho que
ser neutro’, ou seja , ele tem que fingir que é uma máquina
que escreve. Não, ninguém é máquina, todo
mundo tem um sentir... Se eu digo de que lado eu estou, com isso eu
não vou estar injustiçando o outro lado. Posso até
dizer ‘olha, estou desse lado, mas acho que tal movimento, tal compreensão
não está certa diante da verdade como conhecimento científico’
”. (ANA MARIA ARAÚJO FREIRE, entrevista em 08/04/2002) |
A Liberdade de Imprensa
“Liberdade era a palavra chave em todo o pensamento de
Paulo Freire. Como não existe democracia - outro valor fundamental
- sem liberdade de imprensa, a ausência de um ou de outro impede
aquilo que é vital no Método Paulo Freire: a educação
participativa multiplicada a partir de um profundo engajamento na realidade
vivida por mestres e aprendizes.” (RICARDO KOTSCHO, entrevista em 05/03/2002)
Corroborando a posição de Ricardo Kotscho,
o conceito de liberdade é utilizado em várias das obras
de Freire como valor fundamental na construção de um mundo
mais justo, desde a liberdade em sala de aula, “que preenche a dependência
com a autonomia” (FREIRE, 1996: 105) ao processo mais abrangente da libertação
dos oprimidos pela ação pedagógica (FREIRE, 1970:
59). Especificamente sobre liberdade de imprensa, Freire dedicou um capítulo
do livro Cartas à Cristina (1994) para tratar do assunto.
As reflexões referem-se ao caso de um processo movido contra a
imprensa, já no período democrático:
“Liberdade de imprensa não é licenciosidade de imprensa.
Só é livre a imprensa que não mente, que não
retorce, que não calunia, que não se omite, que respeita
o pensamento dos entrevistados, em lugar de dizer que eles disseram
A tendo dito M. Acreditando realmente na liberdade de imprensa, o
verdadeiro democrata sabe, pelo contrário, que faz parte da
luta em favor da imprensa livre a briga jurídica de que resulta
o aprendizado ético, sem o qual não há imprensa
livre.” (FREIRE, 1994:188) |
Na análise de Sérgio Guimarães, o pedagogo estabelece
aí uma visão clara das relações contraditórias
entre liberdade e autoridade, tanto no que diz respeito à imprensa
como nas relações entre pais e filhos. “Enfim, se você
for buscar nele determinados conceitos – que, no fundo, constituem um
arcabouço da filosofia da educação – você pode
aplicá-los depois no que diz respeito tanto à casa, à
escola, quanto aos meios de comunicação.” Guimarães
também acredita que a preocupação maior de Freire,
ao tratar da questão da liberdade de imprensa, seja com a evolução
do processo democrático no país:
“Ele era uma pessoa muito preocupada com o avanço da democracia
e penso que, ao analisar os atentados à liberdade de imprensa,
preocupava-se com as violações à evolução
do processo democrático. O fato de ele tratar desse tema reflete,
evidentemente, a importância que ele atribuía ao papel
do jornalismo na vida democrática. Aliás, o Paulo sempre
trabalhava os conceitos de uma maneira dialética. Por exemplo,
ele trabalhava o problema da liberdade relacionado com o problema
da autoridade.” ( SÉRGIO GUIMARÃES, entrevista em 06/05/2002) |
Para Ana Maria Araújo Freire, a interpretação das
idéias de Freire sobre liberdade de imprensa reflete o reconhecimento
do Jornalismo por seu papel social fundamental na vida democrática,
que ficou evidente com a censura enfrentada pela imprensa durante as ditaduras
latino-americanos:
“Ele sempre dizia , mesmo sujeito a todas essas críticas
que ele fazia e que eu retransmiti, que quando o Brasil teve censura
total na imprensa escrita e na televisiva, esconderam-se as grandes
mazelas, corrupções e desmandos, as torturas, as injustiças.
Sem o Congresso Nacional, por pior que ele esteja sendo, e sem uma
imprensa, mesmo precisando de aperfeiçoamento, sem as instituições
que têm voz, que “falam” como Paulo dizia, denunciando com ética
esses problemas todos do Brasil, não se poderá transformar
a sociedade.” (ANA MARIA ARAÚJO FREIRE, entrevista em 08/04/2002) |
Numa das referências ao tema em sua obra, FREIRE vai chamar a atenção
para a importância da liberdade de imprensa mesmo para aqueles excluídos
do círculo de leitores, ou até principalmente para eles:
“Uma coisa, por exemplo, é a significação que
pode ter a liberdade de imprensa para as populações
famintas, miseráveis, de nosso país, e outra o que ela
representa para as classes populares que já comem, vestem,
e dormem mais ou menos. O trágico é que a liberdade
de imprensa é absolutamente fundamental quer para os que comem,
quer para os que não comem. (...) Muito dificilmente uma população
faminta e iletrada, mesmo que às vezes tocada pelo rádio,
pode alcançar, antes de comer, o valor para si mesma de uma
imprensa livre. Uma vez exercido o direito básico de comer,
a negação do exercício de outros direitos vai
sendo sublinhada.” (FREIRE, 1994:191) |
Da Educação ao Jornalismo: a aplicabilidade do pensamento
de Freire
Em entrevista realizada em 1987, Paulo Freire manifestou
interesse pela concepção do jornalismo enquanto forma social
de produção de conhecimento, tal qual havia sido proposto
naquele ano por Adelmo Genro Filho (GENRO FILHO, 1987), e considerou válida
uma analogia em relação a sua concepção da
educação enquanto “teoria do conhecimento posta em prática”,
ainda que numa prática diferente ( MEDITSCH, 1990).
Em relação a esta diferença, FREIRE vai pontuá-la
em dois momentos de sua obra. No terceiro livro dialogado com Sérgio
Guimarães, quando este o interroga sobre o que levava na mala no
momento da partida para o exílio, o pedagogo se dá conta
da riqueza da pergunta - e de uma abordagem jornalística da realidade,
a partir do singular - respondendo: “Assim como jornalista, você
evidentemente tem a sensibilidade da existência, não?” (FREIRE
& GUIMARÃES, 1987:70). Num outro momento, reconhece o mérito
do jornalismo como uma espécie de antídoto a uma ciência
social tecnicista:
“O descaso pelos sentimentos como deturpadores da pesquisa e de
seus achados, o medo da intuição, a negação
categórica da emoção e da paixão, a crença
nos tecnicismos, tudo isso termina por nos levar a convencer-nos de
que, quanto mais neutros formos em nossa ação, tanto
mais objetivos e eficazes seremos. Mais exatos, mais cientistas, nada
ideólogos nem ‘jornalistas’, portanto. Não quero negar
a possibilidade de um especialista estranho ao contexto onde se deu
ou onde se está dando uma certa prática fazer parte
de uma equipe avaliadora com acerto e eficácia. Sua eficácia
porém vai depender da capacidade que tenha de abrir-se à
‘alma’ da cultura onde se deu ou se está dando a experiência
e não apenas da capacidade, também necessária,
de apreender a racionalidade da experiência por meio de caminhos
múltiplos. Abrir-se à ‘alma’ da cultura é deixar-se
‘molhar’, ‘ensopar’ das águas culturais e históricas
dos indivíduos envolvidos na experiência.” (FREIRE, 1991:110) |
Embora não esteja explícita em sua obra, a analogia entre
as práticas educacionais e jornalísticas no pensamento de
Freire também é considerada válida para Ana Maria
Araújo Freire, fundamentando-se na idéia de que informar
também é educar:
“A prática jornalística é também uma
prática educativa. Quando você terminar esta entrevista,
saberá mais coisas do que sabia antes, não só
porque eu te informei, mas também porque você elaborou
dentro de si outros conhecimentos. O próprio acompanhamento
da entrevista e as perguntas que você vai fazendo ao escutar-me
te dão possibilidade de conhecer mais. Repito: a prática
jornalística é uma prática educativa. Educativa
para o bem ou para a deformação, para a ética
ou antieticidade, mas existe sempre como uma prática educativa.”
(ANA MARIA ARAÚJO FREIRE, entrevista em 08/04/2002) |
A opinião de Sérgio Guimarães é semelhante.
Para ele, o ato de informar em si já implica um processo educacional:
“A meu ver, não existe essa questão do “eu simplesmente
informo”, ou “eu faço mais do que isso, eu educo”. Aliás,
se há uma contribuição que nós fizemos,
naquela reflexão sobre os meios de comunicação
de massa –Sobre Educação– Diálogos Vol.
II – foi justamente o exercício, que na época eu iniciei,
de discutir com ele um aspecto que com certeza ele não havia
tratado antes. Eu estava intrigado há tempos com essa questão
dos meios de comunicação de massa, como algo que caracterizava
a nossa época, ou seja: a presença de meios de comunicação
que, mesmo não se considerando formalmente educativos, na realidade
já estavam a desenvolver um papel educativo, ainda que não
sistemático como a escola o faz, no que diz respeito à
formação da mentalidade das pessoas. Para mim, esta
distinção – que poderia ser feita por alguns, entre
o informar e o educar – não existe como algo separado. Não
acredito que uma pessoa possa dizer que está apenas informando,
sem que isso constitua, de uma forma ou de outra, parte de um processo
pedagógico. Para que o indivíduo possa absorver determinada
informação que um jornalista transmite, o leitor, o
ouvinte, o telespectador precisa necessariamente desenvolver um processo
de aprendizado, um processo educativo, quer, repito, o jornalista
esteja consciente, quer não. (SÉRGIO GUIMARÃES,
entrevista em 06/05/2002) |
A respeito do pensamento de Freire, caso ele tivesse se ocupado teoricamente
da questão do Jornalismo, Ana Maria Araújo Freire acredita
que seria análogo a seu pensamento sobre Educação:
“Se você tivesse perguntado a Paulo Freire , ele diria ‘Claro,
claro, claro!’ (...) Paulo tinha uma coerência entre o sentir,
o observar, o pensar, o refletir e o agir. Ele não teria uma
posição para determinada coisa e uma posição
para outra. Quando ele fala na escola, na educação,
ele está falando também nos meios de comunicação
de massa.” (ANA MARIA ARAÚJO FREIRE, entrevista em 08/04/2002) |
Considerando sua própria prática como jornalista, Ricardo
Kotscho aponta a necessidade da crítica transformadora, da qual
Freire se ocupou em seus estudos, tanto no aprimoramento da Educação
como do Jornalismo:
“Com toda certeza, Paulo diria que precisamos trabalhar de acordo
com a realidade existente - seja no jornalismo ou na educação
- e, ao mesmo tempo, lutar para transformá-la. Em qualquer
circunstância, em qualquer escola ou redação,
é possível alargar os limites e promover um trabalho
transformador que sirva de estímulo também para outras
pessoas.(...) Sempre defendi um jornalismo distante dos gabinetes
oficiais, feito nas ruas, nos lugares onde as coisas acontecem, sem
dogmas nem teorias, conversando com pessoas que não têm
telefone nem e-mail e não constam das agendas da maioria das
redações. Neste ponto, me identifico muito com as reflexões
de Paulo Freire sobre as práticas educativas e penso, sim,
que elas poderiam ter aplicação também na prática
jornalística.” (RICARDO KOTSCHO, entrevista em 05/03/2002) |
Conclusões
Este trabalho teve como propósito trazer à tona as idéias
de Paulo Freire sobre Jornalismo e Mídia, até então
dispersas em sua obra ou nas memórias daqueles que com ele conviveram.
As questões abordadas - que correspondem aos hábitos de
consumo de informação de Paulo Freire, à diferenciação
entre os meios e veículos, à crítica à televisão
e à subutilização da mídia, à neutralidade
e à liberdade de imprensa – são o resultado da cruzamento
entre aspectos importantes da discussão sobre Jornalismo e Mídia
e as questões por Paulo Freire em sua obra ou em suas conversas.
Freire não apenas considerava o jornalismo como atividade intelectual
com uma particular “sensibilidade da existência”, como pessoalmente
utilizava intensivamente a mídia como fonte de informações
sobre o mundo. Distinguia entre o bom e o mau jornalismo e apontava a
questão política como o maior obstáculo para que
o primeiro se realizasse, embora, como na educação, não
aceitasse uma posição fatalista neste sentido e apontasse
o enfrentamento real da prática como uma necessidade, tanto para
orientar uma crítica consistente quanto para lhe dar sentido.
Evidentemente, as questões levantadas por este artigo não
dão conta da enorme gama de possibilidades que, embora nunca tenham
sido objeto de um trabalho sistemático por Paulo Freire, podem
ser abertas pela aplicação de suas idéias para a
prática jornalística e midiática. O exercício
intelectual que permite a aplicação da filosofia práxica
de Paulo Freire nas mais diversas áreas de conhecimento merece
ser permanente, e no caso do Jornalismo, deve levar em conta não
somente as idéias explícitas sobre o tema, mas principalmente
o arcabouço teórico e as opções de valor que
edificam o trabalho do educador como uma das mais importantes contribuições
brasileiras à cultura ocidental no Século XX.
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