O pensamento de Paulo Freire sobre Jornalismo e Mídia

Eduardo Meditsch e Mariana Bittencourt Faraco *

RESUMO:
Este trabalho recupera as idéias de Paulo Freire a respeito da Mídia e do Jornalismo, dispersa em sua produção bibliográfica e atualizada atráves de entrevistas com integrantes de seu círculo familiar e profissional. Os resultados autorizam a perspectiva de uma aplicação das idéias do educador à prática jornalística, a partir de suas considerações sobre a qualidade dos diversos meios e veículos, a política da mídia, a crítica de sua neutralidade aparente, o reconhecimento do papel social do jornalismo, a importância da liberdade de imprensa, a especifidade do conhecimento que produz e a analogia entre educação e comunicação de massa.

PALAVRAS -CHAVE:
1 – Paulo Freire; 2 – Jornalismo; 3 – Mídia

 

* Doutor pela Universidade Nova de Lisboa, Professor da Universidade Federal de Santa Catarina e Coordenador do Grupo de Estudos em Jornalismo da Associação Latino-Americana de Pesquisadores da Comunicação (Alaic).
Estudante de Jornalismo e Bolsista do Programa Institucional de Iniciação Científica (PIBIC) UFSC/CNPq.

Resultado parcial da pesquisa “A prática cognitiva na atividade jornalística e a concepção de ato gnosiológico em Paulo Freire”, realizada com bolsa de produtividade em pesquisa do CNPq.

Introdução

As contribuições teóricas do pedagogo brasileiro Paulo Freire vêm sendo aplicadas por um sem-número de estudiosos nas mais diversas áreas de conhecimento. Além da Educação, o trabalho de Paulo Freire é utilizado em áreas como Filosofia, Lingüística, Teologia, e até em ciências biológicas e exatas como Medicina e Matemática. Na área de Comunicação, suas idéias influenciam principalmente estudos de comunicação e cultura, comunicação popular, recepção e educação para a mídia (COGO, 1999). Entretanto, na sub-área do Jornalismo, o pensamento de Freire tem sido escassamente aplicado, por razões que certamente têm raízes históricas e políticas (MEDITSCH, 2002a, 2002b).
A aplicação das idéias de Freire no Jornalismo, inicialmente, pode causar estranhamento, visto que o campo nunca foi uma preocupação central nas obras do pedagogo. Mas, analisando-se em profundidade as suas teorias, é possível verificar que podem ser aplicadas também no Jornalismo, tanto por sua universalidade como pela utilidade de suas concepções de “diálogo”, “rigor”, “leitura do mundo”, “percepção crítica da realidade”, entre tantas outras, também nesta prática social.
Este trabalho não pretende remontar toda uma teoria de Paulo Freire sobre a prática jornalística e midiática, pois, conforme foi apurado, o pedagogo não chegou a formular conceitos específicos sobre o assunto. Entretanto, há que se considerar que Paulo Freire tinha opiniões formadas sobre várias questões fundamentais em Jornalismo, como controle de informação, liberdade de imprensa, censura, neutralidade dos meios de comunicação, entre outras. Estas idéias - embora encontrem-se fragmentadas em sua obra bibliográfica, em trechos de suas falas e nas recordações dos que vivenciaram com ele a experiência de analisar criticamente a imprensa – merecem ser trazidas à tona porque são inéditas e originais, estando ainda dispersas, quando não restritas à memória efêmera das pessoas que lhe foram próximas.
Por suas limitações, esta pesquisa limita-se a trazer alguns conceitos básicos da atividade jornalística e considerações sobre o papel da mídia na sociedade, analisados segundo a ótica e a filosofia de Paulo Freire. De maneira alguma a pesquisa pretende esgotar o assunto, mas sim abrir possibilidades para outras aplicações das muitas idéias de Freire nas práticas jornalísticas e midiáticas.

Metodologia

Esta pesquisa é baseada em entrevistas qualitativas e na análise de livros e outros documentos. Uma das entrevistas, inédita, de Paulo Freire, foi realizada por Eduardo Meditsch na casa do pedagogo, em São Paulo, em 1987. As demais, com pessoas de seu círculo pessoal e profissional, foram realizadas por correio eletrônico (e-mail) ou gravadas por telefone, por Mariana Bittencourt Faraco, em 2002. A opção por estas técnicas foi feita pela limitação de recursos, já que os entrevistados encontravam-se dispersos por várias regiões do Brasil ou fora do país.
De todas as fontes de informação procuradas no círculo íntimo do pensador, quatro concordaram em ter suas entrevistas reproduzidas neste trabalho, e são destas os depoimentos mais relevantes. Outras pessoas consultadas, embora tenham tido um contato próximo com o pensamento de Paulo Freire, não tinham conhecimento de uma questão tão específica como as suas posições sobre Jornalismo e, portanto, não se consideraram capazes de formular relações entre as duas coisas. Assim, os esforços foram direcionados na tentativa de encontrar as pessoas que realmente poderiam dar contribuições na perspectiva proposta com profundidade e fidelidade, sem se limitar a impressões superficiais. Priorizou-se a qualidade das revelações e o interesse dos entrevistados pelas questões colocadas. Evidentemente, outras fontes forneceram informações adicionais para o desenvolvimento deste trabalho.

A Comunicação, a Mídia e o Jornalismo por Paulo Freire

Antes de abordar a questão específica do Jornalismo, é importante contextualizar o pensamento de Freire em relação a uma área mais abrangente, a da comunicação humana, em que se fundamentam muitos de seus conceitos sobre mídia e Jornalismo, objetos principais deste estudo e que serão abordados na seqüência.
Paulo Freire estabeleceu seu conceito geral e mais objetivo de Comunicação em 1971: “Comunicação [é] a co-participação dos Sujeitos no ato de pensar (...) [ela] implica uma reciprocidade que não pode ser rompida (...) comunicação é diálogo na medida em que não é transferência de saber, mas um encontro de Sujeitos interlocutores que buscam a significação dos significados.”(FREIRE, 1971:67-9)
Em suas demais obras, em especial nos últimos livros, é possível encontrar afirmações que, mesmo em contextos diferentes, destacam a importância dos processos de comunicação na constituição do conhecimento. Num de seus últimos escritos, ao retomar a questão do que seria “um pensar certo”, Freire afirma que é uma questão dialógica: “....não há inteligibilidade que não seja comunicação”. (FREIRE, 1996:42). Mais de duas décadas antes, o pedagogo havia tratado da importância do diálogo, matéria-prima da comunicação, na constituição de uma educação autêntica: “Somente o diálogo, que implica num pensar crítico, é capaz, também, de gerá-lo. Sem ele, não há comunicação e sem esta, não há verdadeira educação (...) A educação autêntica não se faz de A para B ou de A sobre B, mas de A com B, mediatizados pelo mundo”(FREIRE, 1970:98).
Entretanto, como demonstra o estudo de Venício LIMA (1981) , a produção teórica de Freire referiu-se a problemas mais universais da comunicação humana, propondo um novo conceito para defini-la, não tratando especificamente da comunicação de massa. Anos depois deste estudo, Freire exporia suas idéias a respeito deste tipo de comunicação de maneira informal, mas não menos importante, em um de seus livros dialogados com Sérgio Guimarães:

“...mesmo quando não venho tratando desses chamados meios de comunicação em trabalhos meus anteriores, mesmo quando não falo diretamente sobre eles, eu os considero, por exemplo, dentro do horizonte geral da teoria do conhecimento que venho desenvolvendo nos meus trabalhos sobre educação. Não os trato diretamente, no sentido de que eles não são objeto de um estudo técnico, cientificamente válido.” (FREIRE & GUIMARÃES, 1984:40).




A análise das entrevistas realizadas com familiares e colegas de Freire, com o fim de apurar seus hábitos de consumo de informação e suas idéias sobre Jornalismo, permite afirmar que ele tinha uma postura crítica em relação à imprensa, que seria, de certa forma, análoga a seu pensamento sobre educação. Conforme depoimento de Lutegardes da Costa Freire, seu filho mais novo que trabalha na preservação e divulgação de seu pensamento através do Instituto Paulo Freire, o pedagogo teve, ao longo de sua vida, um consumo “grande ou razoável da mídia”: “Ainda no Recife, costumava escutar muito rádio. Durante o período do exílio, sempre se mantinha informado, principalmente pelos jornais” (entrevista em 04/03/2002).
Ana Maria Araújo Freire, esposa do pedagogo de 1988 até 1997, ano de sua morte, confirma que Freire costumava ouvir rádio em Recife, onde viveu até os 42 anos de idade. Entretanto, seus hábitos de consumo de informação mudaram com o surgimento da televisão: “Quando me casei com Paulo, ele raramente ouvia o rádio enquanto notícia, embora fosse durante sua infância e juventude o meio mais eficiente, já que nos anos 40 e 50, o rádio representava o meio de comunicação por excelência” (entrevista em 08/04/2002).
Embora tenha conhecido Paulo Freire aos quatro anos de idade, Ana Maria Araújo Freire manteve contatos apenas esporádicos com o pedagogo ao longo dos anos, não sendo capaz de informar com detalhes sobre seus hábitos de consumo de informação até que se casassem. Porém, cita dois jornais que Freire costumava ler em Recife: o Diário de Pernambuco e o Jornal do Commércio.
Quando passou a morar em São Paulo, Freire lia alguns jornais, sobretudo a Folha de São Paulo:

“Tinha períodos em que assinávamos, em outros comprávamos na banca, a pessoa que trabalhava com a gente comprava pão e já trazia o jornal. (...) Quando ele voltou do exílio, [a Folha] era o jornal que se dizia mais progressista, o que na verdade era. Agora, muitas vezes, Paulo dizia: ‘É preferível o Estado de São Paulo, que se declara logo de direita, do que jornais de esquerda que deformam o próprio pensamento’. Ele tinha sérias críticas ao jornal como à toda imprensa escrita , televisada e falada.” (ANA MARIA ARAÙJO FREIRE, entrevista em 08/04/2002)





A diferenciação entre meios e veículos


De fato, Freire mencionou o jornal Folha de São Paulo ao discorrer sobre as diferenças entre os meios de comunicação, quando afirmava que a recepção da notícia escrita, que pode ser lida, guardada e relida, seria diferente daquela veiculada pela televisão, que ele identificou como “informação que passa a fundo perdido”:

“ De um lado, portanto, está a força do próprio aparelho, a força da imagem que aparece no vídeo, que não é palpável e que, portanto, sugere algo que é e não é. Uma espécie assim de força misteriosa, espiritual, a que o aparelho traz: está perto e ao mesmo tempo está longe; vejo e ouço, mas não pego, como coisa de Espírito Santo. Mas, além disso tudo, ou pondo tudo isso de lado, há um elemento que, em certo sentido, reforça, assusta, apavora o telespectador: é que, quando tu apareces lá, o que está cá, mesmo sem fazer uma reflexão sobre, lá no mais fundo dele mesmo, se sente entre milhões diante de ti. No fundo, tu estás e não estás só e o que está aqui, está e não está só. Há um elo misterioso, e é talvez essa “misteriosidade” que me dá a perceber uma veracidade no discurso de lá. É que, no fundo, está havendo, assim, uma espécie de solidariedade invisível entre milhões que estão ouvindo e vendo aquilo. ... diante do meu exemplar da Folha de São Paulo, em casa, não tenho de maneira nenhuma a sensação de que há milhares de pessoas, também, com aquele jornal. E, no entanto, a Folha tem uma enorme circulação. Mas o jornal já não me provoca essa sensação de solidariedade que a televisão provoca.” (FREIRE & GUIMARÃES, 1984:37-38)











Quanto à distinção que Paulo Freire fazia dos meios de comunicação, Sérgio Guimarães afirma que as diferenças percebidas diziam respeito igualmente à incorporação das informações no cotidiano do público, tema também abordado no livro (FREIRE & GUIMARÃES, 1984:23-37). Utilizando parâmetros diferentes dos de Marshall McLuhan (que classificava a TV de seu tempo como um “meio frio”) e considerando a abordagem emotiva, Guimarães remonta a classificação de Freire sobre a televisão como “meio quente” e o jornal, como “frio”:

“Freire mesmo coloca a diferença entre um meio que seria mais quente, o da televisão, que teria uma abordagem mais emotiva, que mexe mais com o vivo da pessoa, com as emoções, e um meio mais frio, como o jornal, onde o que aparece não é o instrumento ao vivo. No caso do jornal, você controla o ritmo com que assimila as informações, volta páginas atrás, compara diferentes aspectos da mensagem, aquilo que na televisão já é mais difícil de se fazer. É claro que você, hoje, com o avanço da tecnologia, pode gravar o programa e fazer uma revisão crítica. Mas já naquela época, mesmo quando a tecnologia ainda não era tão avançada como hoje, Paulo já distinguia meios como a televisão e o jornal.” (SÉRGIO GUIMARÃES, entrevista em 06/05/2002)








De acordo com depoimento de Ana Maria Araújo Freire, Paulo Freire assumia postura crítica frente ao noticiário televisivo, e comparava os telejornais entre si para ver o modo como as notícias eram tratadas:

“Nós assistíamos diariamente aos telejornais, poderia ser tanto o do Bóris Casoy como o Jornal Nacional. Esporadicamente, assistíamos aos dois e, às vezes, também ao jornal da Cultura, para que Paulo pudesse analisar e procurar mais fidelidade ao fato que estava sendo narrado, para ver as deformações pelos interesses ideológicos e políticos que as emissoras transmitem.(...) Muitas vezes, ele chegava até a se irritar pela forma às vezes superficial e omissa de [ o Jornal Nacional ] dizer de fato a coisa, manipulando trechos de entrevista que tínhamos visto em outra emissora, induzindo a opinião pública a perpetuar a sociedade vigente. Foi contra essa sociedade que Paulo esteve sempre contra, e por isso pagou com quase 16 anos de exílio.” (ANA MARIA ARAÚJO FREIRE, entrevista em 08/04/2002)







Ana Maria Araújo Freire confirma que o pedagogo via de maneiras diferentes as notícias da televisão e dos jornais, e acrescenta que ele sempre assumia uma postura crítica:

“O jornais do Brasil se dedicam mais às notícias, às problemáticas, aos interesses, aos gostos e às aspiraçães do povo brasileiro, embora mostrem várias questões internacionais. A televisão, sobretudo a Globo, procura sempre o aperfeiçoamento, há uma avidez de chegar a uma perfeição técnica (...) mas Paulo dizia que era preciso “analisar criticamente”. Por que foi dito isto e não aquilo, por que no jornal apareceu essa parte e não aquela? Sabe, Paulo tinha o hábito de analisar criticamente o que ele via, o que ele ouvia, o que ele observava. Inclusive, foi assim que ele criou sua teoria do conhecimento. Foi ouvindo o povo, guardando dentro dele, no coração, no seu palpitar, na sua sensibilidade (...) é esse “sentir de emoção” que leva ao raciocínio lógico. Paulo sentia as notícias ao ouví-las, comparava-as entre si, para fazer uma análise crítica do fato: aonde essa emissora quer chegar, que mensagem e que ideologia quer passar para a grande população.” (ANA MARIA ARAÚJO FREIRE, entrevista em 08/04/2002)









Entretanto, a crítica de Freire sobre a televisão relaciona-se mais às formas de utilização e transmissão de mensagens unidirecionais do que ao meio em si:

“Ao pensar sobre o problema dos chamados meios de comunicação, portanto, fica claro, logo assim de saída, que me sinto um homem de meu tempo. Não sou contra a televisão. Acho, porém, que é impossível pensar o problema dos meios sem pensar a questão do poder. O que vale dizer: os meios de comunicação não são bons nem ruins em si mesmos. Servindo-se de técnicas, eles são o resultado do avanço da tecnologia, são expressões da criatividade humana, da ciência desenvolvida pelo ser humano. O problema é perguntar a serviço de que e a serviço de quem os meios de comunicação se acham.” (FREIRE & GUIMARÃES, 1984:14)






Em uma das poucas ocasiões em que se refere especificamente à questão da sintaxe do Jornalismo televisivo, FREIRE (1996: 157) atenta para a impressão que os telejornais passam para o público - de que “o que ainda não há já está feito”. Freire especificaria esta idéia no mesmo ano, em uma comunicação originalmente apresentada na conferência Mídia e Democracia e posteriormente publicada no livro Pedagogia da Indignação (2000). No texto, Freire considera que a ideologização dos meios de comunicação relaciona-se com a falta de percepção crítica da realidade, que só pode ser obtida – como tratou em Educação como Prática da Liberdade (1967) - através da passagem do nível de consciência intransitivo para o transitivo ingênuo, e daí para o transitivo crítico:

“(...) A questão fundamental que se coloca a nós, qualquer que seja a inteligência da frase alfabetização em televisão não é lutar contra a televisão, uma luta sem sentido, mas como estimular o desenvolvimento e o pensar críticos. Como desocultar verdades escondidas, como desmitificar a farsa ideológica, espécie de arapuca atraente em que facilmente caímos. Como enfrentar o extraordinário poder da mídia, da linguagem da televisão, da sua ‘sintaxe’ que reduz a um mesmo plano o passado e o presente e sugere que o que ainda não há já está feito. Mais ainda, que diversifica temáticas no noticiário sem que haja tempo para a reflexão sobre os variados assuntos. De uma notícia sobre Miss Brasil se passa a um terremoto na China; de um escândalo envolvendo mais um banco dilapidado por diretores inescrupulosos temos cenas de um trem que descarrilou em Zurich.” (FREIRE, 2000:109)








É preciso ponderar que a crítica de Freire, embora atribua um papel decisivo e ideológico aos emissores na construção da comunicação, não se fundamenta nas teorias que delegam somente ao emissor a responsabilidade pelo sentido da informação transmitida. Pelo contrário, Freire ressalta a importância de o receptor - o público - ter uma visão crítica sobre as notícias que lhe chegam:

“Não podemos nos pôr diante de um aparelho de televisão “entregues” ou “disponíveis” ao que vier. Quanto mais nos sentamos diante da televisão - há situações de exceção - como quem, de férias, se abre ao puro repouso e entretenimento tanto mais riscos corremos de tropeçar na compreensão de fatos e de acontecimentos. A postura crítica e desperta nos momentos necessários não pode faltar.(...) Mas, se não é fácil estar permanentemente em estado de alerta é possível saber que, não sendo um demônio que nos espreita para nos esmagar, o televisor diante do qual nos achamos não é tampouco um instrumento que nos salva. Talvez seja melhor contar de um a dez antes de fazer a afirmação categórica a que Wright Mills se refere: “É verdade, ouvi no noticiário das vinte horas”. Como educadores e educadoras progressistas não apenas não podemos desconhecer a televisão mas devemos usá-la, sobretudo, discuti-la.” (FREIRE, 2000: 110)









A sub-utilização da mídia: uma questão política


Além da crítica aos meios, Freire também posicionava-se perante os diversos veículos, considerando o potencial que tinham e o que de fato realizavam. Na entrevista de 1987, Freire criticava sobretudo a superficialidade da televisão brasileira, numa perspectiva comparativa com a TV e a imprensa européia, com que havia convivido durante quase uma década. Na sua opinião, a prevalência do interesse comercial sobre a TV brasileira (e também norte-americana) produzia um modelo de programação que não seria suportado por um telespectador educado da França ou da Suíça. Se por um lado manifestava a sua decepção com a mídia brasileira – a ponto de negar entrevistas, por ver suas respostas desfiguradas no contexto da programação comercial – esta perspectiva expressava igualmente o otimismo de que, com pequenas mudanças na sociedade (não seria necessária uma revolução para tanto), a mídia tenderia a melhorar proporcionalmente.
A visão crítica de Freire sobre a imprensa também é lembrada pelo jornalista Ricardo Kotscho, autor de um livro em que intermedia diálogos entre Paulo Freire e Frei Betto (Essa Escola Chamada Vida, 1986). Ele acrescenta considerações do pedagogo sobre uma má ou sub-utilização da mídia:

“Paulo mostrava-se freqüentemente indignado com a visão conservadora da mídia brasileira no trato das questões sociais e o pequeno espaço dedicado à discussão de assuntos ligados à educação. Para ele, a mídia mostrava-se muitas vezes distante da realidade brasileira, falando da elite para a elite. Como ele viajava muito e gostava de se informar diretamente com os moradores sobre as condições de vida nas comunidades visitadas, fazendo o papel de um repórter, acabava tendo uma visão sobre a realidade brasileira conflitante com a retratada pelos veículos da chamada grande imprensa.” (RICARDO KOTSCHO, entrevista em 05/03/2002)






Conforme Sérgio Guimarães, o pedagogo fazia, antes de tudo, uma análise ideológica, perguntando-se a quem serve determinado meio, a quem interessa. Essa posição é comprovada em uma de suas obras com Freire: “O problema é perguntar a serviço de quê e a serviço de quem os meios de comunicação se acham. E esta é uma questão que tem a ver com o poder e que é política, portanto”. (FREIRE & GUIMARÂES, 1984:14). Pode-se perceber que esta mesma linha de pensamento - a do “a favor de quem e contra quem” - é utilizada por Freire em se tratando também da relação entre educação e política: “...tanto no caso do processo educativo quanto no do ato político, uma das questões fundamentais é a clareza em torno de a favor de quem e do quê, portanto contra quem e contra o quê, desenvolvemos a atividade política.” (FREIRE, 1982:27).
Baseado nisso, Sérgio Guimarães acredita que a posição de Paulo Freire em relação à mídia em geral era eminentemente política.

“Ele costumava criticar muitas vezes a utilização da mídia não como meio de comunicação, mas como meio que se reduzia à transmissão de informações e “comunicados”, de maneira unidirecional. Ou seja, uma preocupação muito maior com a transferência de dados do que com a utilização do canal para o contato entre pessoas, esse ir e vir das informações. Esse tipo de crítica o Paulo já fazia na época: as pessoas que manipulam esses meios estão mais preocupados em “enfiar” na cabeça do povo determinadas informações. Aí, se você considera toda a crítica que o Paulo faz, através de uma idéia que ele desenvolveu bem, a educação bancária, você pode transferir essa crítica também à ação de diversos meios de comunicação que, ao invés de estimular a curiosidade, o exercício crítico por parte dos leitores, ouvintes ou telespectadores, na verdade exercem um mero trabalho de transmissão de informações, como se eles fossem latas vazias que devem ser preenchidas com determinados conteúdos.” (SÉRGIO GUIMARÃES, entrevista em 06/05/2002)









Ana Maria Araújo Freire confirma que, mesmo no exílio, Freire mantinha-se informado sobre os acontecimentos do país, o que de certa forma, permitiu-lhe observar a ação da imprensa brasileira em comparação à imprensa dos países onde viveu:

“Paulo entendia que durante os 15 anos de exílio, durante este longo período no qual foi obrigado a estar fora de seu país, o Brasil avançou em muitos aspectos, entre outros no que se refere à imprensa escrita e televisiva. Ele achava que a mídia não utilizava todos os recursos disponíveis ou todos os aspectos bons e bonitos com os quais também construimos o mundo. Que muitas vezes o jornalista se prende mais a um sensacionalismo do que à verdade histórica, ao belo e ao bom.” (ANA MARIA ARAÚJO FREIRE, entrevista em 08/04/2002)





A neutralidade do jornalista

Muitos jornalistas, pela falta de rigor com a informação, não se dão conta de que repetem o discurso da fonte, atendendo a seus interesses e não aos do público. Esta idéia equivocada de neutralidade não auxilia a objetividade jornalística, mas a afasta do ideal da atividade: a busca pela verdade e pelo novo. Nos livros em que Freire manifesta suas idéias sobre neutralidade, em geral voltadas à prática educativa, ele assume uma postura crítica também aplicável ao Jornalismo, o que significaria a condenação do tipo de prática acima descrita . Em uma de suas últimas obras, afirma que “a raiva perante a injustiça nos impede de ser acinzentadamente imparciais, sem perder a ética” (FREIRE, 1996:15). Este é um dos muitos argumentos utilizados por Freire, ao longo de sua obra, para demonstrar que, tanto em Educação como em Comunicação, é impossível ser totalmente neutro.
No livro Educação e Mudança (FREIRE, 1981:15-25), Freire faz algumas considerações sobre a ética nas profissões, colocando em cheque a questão da neutralidade: para o pedagogo, o compromisso de trabalho é uma visão lúcida e profunda que o profissional assume no plano concreto e, para que o profissional possa se comprometer, é necessário agir e refletir. Esse “compromisso com o mundo, que deve ser humanizado para a humanização dos homens, e que “não pode se realizar apenas através do palavrório”, só existe no engajamento com a realidade” (FREIRE, 1981: 18-19). E ao experimentar esse compromisso, “os homens já não se dizem neutros”. Para Freire, a neutralidade frente ao mundo revela o medo deste compromisso.

“Os que se dizem neutros estão comprometidos consigo mesmos, com seus interesses e com os interesses dos grupos aos quais pertencem. E como este não é um compromisso verdadeiro, eles assumem a neutralidade impossível. O verdadeiro compromisso é a solidariedade, e não a solidariedade com os que negam o compromisso solidário, mas com aqueles que, na situação concreta, se encontram convertidos em ‘coisas’ ” (FREIRE, 1981:19).




Na análise de Sérgio Guimarães, o texto de Paulo Freire revela que o profissional precisa ser um “ser de práxis”, não alguém que simplesmente aplica determinadas técnicas:

“Para que você entenda o problema da neutralidade, você precisa fazer uma análise ideológica não só do discurso, mas também das ações de quem se diz neutro, e essa é a minha opinião também. No fundo, a chamada neutralidade nada mais é do que a manifestação ideológica de um compromisso enrustido, ou seja: um órgão de comunicação que não quer manifestar claramente seu compromisso, que não quer reconhecer que tem um compromisso com determinado grupo ou com ele próprio, costuma sustentar a ideologia da neutralidade. Pelo menos isso é o que me parece fundamental destacar, entre os pontos que o Paulo desenvolve com relação ao problema da neutralidade.” (SÉRGIO GUIMARÃES, entrevista em 06/05/2002)







Ana Maria Araújo Freire acredita que o jornalista deixa de ser neutro já na escolha da fonte ou do objeto da reportagem, e que essa escolha não é absolutamente intelectual, mas motivada também por razões pessoais. Remontando o pensamento de Freire, salienta a importância do estabelecimento de uma linha editorial e ideológica clara do veículo de imprensa.

“O jornalista pode fazer uma invenção do seu pensar ideológico e político no momento em que narra o fato: o fato que eu vi, ou sobre o qual estou falando é este e se fala dele da seguinte forma. Aí você pode dizer depois, ‘de fato eu tenho uma posição que se identifica com essa hipótese ou com aquela, então a verdade não implica uma neutralidade. Essa neutralidade que falam aí não é a neutralidade que Paulo fala. O jornalista diz ‘tenho que ser neutro’, ou seja , ele tem que fingir que é uma máquina que escreve. Não, ninguém é máquina, todo mundo tem um sentir... Se eu digo de que lado eu estou, com isso eu não vou estar injustiçando o outro lado. Posso até dizer ‘olha, estou desse lado, mas acho que tal movimento, tal compreensão não está certa diante da verdade como conhecimento científico’ ”. (ANA MARIA ARAÚJO FREIRE, entrevista em 08/04/2002)








A Liberdade de Imprensa

“Liberdade era a palavra chave em todo o pensamento de Paulo Freire. Como não existe democracia - outro valor fundamental - sem liberdade de imprensa, a ausência de um ou de outro impede aquilo que é vital no Método Paulo Freire: a educação participativa multiplicada a partir de um profundo engajamento na realidade vivida por mestres e aprendizes.” (RICARDO KOTSCHO, entrevista em 05/03/2002)

Corroborando a posição de Ricardo Kotscho, o conceito de liberdade é utilizado em várias das obras de Freire como valor fundamental na construção de um mundo mais justo, desde a liberdade em sala de aula, “que preenche a dependência com a autonomia” (FREIRE, 1996: 105) ao processo mais abrangente da libertação dos oprimidos pela ação pedagógica (FREIRE, 1970: 59). Especificamente sobre liberdade de imprensa, Freire dedicou um capítulo do livro Cartas à Cristina (1994) para tratar do assunto. As reflexões referem-se ao caso de um processo movido contra a imprensa, já no período democrático:

“Liberdade de imprensa não é licenciosidade de imprensa. Só é livre a imprensa que não mente, que não retorce, que não calunia, que não se omite, que respeita o pensamento dos entrevistados, em lugar de dizer que eles disseram A tendo dito M. Acreditando realmente na liberdade de imprensa, o verdadeiro democrata sabe, pelo contrário, que faz parte da luta em favor da imprensa livre a briga jurídica de que resulta o aprendizado ético, sem o qual não há imprensa livre.” (FREIRE, 1994:188)




Na análise de Sérgio Guimarães, o pedagogo estabelece aí uma visão clara das relações contraditórias entre liberdade e autoridade, tanto no que diz respeito à imprensa como nas relações entre pais e filhos. “Enfim, se você for buscar nele determinados conceitos – que, no fundo, constituem um arcabouço da filosofia da educação – você pode aplicá-los depois no que diz respeito tanto à casa, à escola, quanto aos meios de comunicação.” Guimarães também acredita que a preocupação maior de Freire, ao tratar da questão da liberdade de imprensa, seja com a evolução do processo democrático no país:

“Ele era uma pessoa muito preocupada com o avanço da democracia e penso que, ao analisar os atentados à liberdade de imprensa, preocupava-se com as violações à evolução do processo democrático. O fato de ele tratar desse tema reflete, evidentemente, a importância que ele atribuía ao papel do jornalismo na vida democrática. Aliás, o Paulo sempre trabalhava os conceitos de uma maneira dialética. Por exemplo, ele trabalhava o problema da liberdade relacionado com o problema da autoridade.” ( SÉRGIO GUIMARÃES, entrevista em 06/05/2002)





Para Ana Maria Araújo Freire, a interpretação das idéias de Freire sobre liberdade de imprensa reflete o reconhecimento do Jornalismo por seu papel social fundamental na vida democrática, que ficou evidente com a censura enfrentada pela imprensa durante as ditaduras latino-americanos:

“Ele sempre dizia , mesmo sujeito a todas essas críticas que ele fazia e que eu retransmiti, que quando o Brasil teve censura total na imprensa escrita e na televisiva, esconderam-se as grandes mazelas, corrupções e desmandos, as torturas, as injustiças. Sem o Congresso Nacional, por pior que ele esteja sendo, e sem uma imprensa, mesmo precisando de aperfeiçoamento, sem as instituições que têm voz, que “falam” como Paulo dizia, denunciando com ética esses problemas todos do Brasil, não se poderá transformar a sociedade.” (ANA MARIA ARAÚJO FREIRE, entrevista em 08/04/2002)





Numa das referências ao tema em sua obra, FREIRE vai chamar a atenção para a importância da liberdade de imprensa mesmo para aqueles excluídos do círculo de leitores, ou até principalmente para eles:

“Uma coisa, por exemplo, é a significação que pode ter a liberdade de imprensa para as populações famintas, miseráveis, de nosso país, e outra o que ela representa para as classes populares que já comem, vestem, e dormem mais ou menos. O trágico é que a liberdade de imprensa é absolutamente fundamental quer para os que comem, quer para os que não comem. (...) Muito dificilmente uma população faminta e iletrada, mesmo que às vezes tocada pelo rádio, pode alcançar, antes de comer, o valor para si mesma de uma imprensa livre. Uma vez exercido o direito básico de comer, a negação do exercício de outros direitos vai sendo sublinhada.” (FREIRE, 1994:191)






Da Educação ao Jornalismo: a aplicabilidade do pensamento de Freire

Em entrevista realizada em 1987, Paulo Freire manifestou interesse pela concepção do jornalismo enquanto forma social de produção de conhecimento, tal qual havia sido proposto naquele ano por Adelmo Genro Filho (GENRO FILHO, 1987), e considerou válida uma analogia em relação a sua concepção da educação enquanto “teoria do conhecimento posta em prática”, ainda que numa prática diferente ( MEDITSCH, 1990).
Em relação a esta diferença, FREIRE vai pontuá-la em dois momentos de sua obra. No terceiro livro dialogado com Sérgio Guimarães, quando este o interroga sobre o que levava na mala no momento da partida para o exílio, o pedagogo se dá conta da riqueza da pergunta - e de uma abordagem jornalística da realidade, a partir do singular - respondendo: “Assim como jornalista, você evidentemente tem a sensibilidade da existência, não?” (FREIRE & GUIMARÃES, 1987:70). Num outro momento, reconhece o mérito do jornalismo como uma espécie de antídoto a uma ciência social tecnicista:

“O descaso pelos sentimentos como deturpadores da pesquisa e de seus achados, o medo da intuição, a negação categórica da emoção e da paixão, a crença nos tecnicismos, tudo isso termina por nos levar a convencer-nos de que, quanto mais neutros formos em nossa ação, tanto mais objetivos e eficazes seremos. Mais exatos, mais cientistas, nada ideólogos nem ‘jornalistas’, portanto. Não quero negar a possibilidade de um especialista estranho ao contexto onde se deu ou onde se está dando uma certa prática fazer parte de uma equipe avaliadora com acerto e eficácia. Sua eficácia porém vai depender da capacidade que tenha de abrir-se à ‘alma’ da cultura onde se deu ou se está dando a experiência e não apenas da capacidade, também necessária, de apreender a racionalidade da experiência por meio de caminhos múltiplos. Abrir-se à ‘alma’ da cultura é deixar-se ‘molhar’, ‘ensopar’ das águas culturais e históricas dos indivíduos envolvidos na experiência.” (FREIRE, 1991:110)









Embora não esteja explícita em sua obra, a analogia entre as práticas educacionais e jornalísticas no pensamento de Freire também é considerada válida para Ana Maria Araújo Freire, fundamentando-se na idéia de que informar também é educar:

“A prática jornalística é também uma prática educativa. Quando você terminar esta entrevista, saberá mais coisas do que sabia antes, não só porque eu te informei, mas também porque você elaborou dentro de si outros conhecimentos. O próprio acompanhamento da entrevista e as perguntas que você vai fazendo ao escutar-me te dão possibilidade de conhecer mais. Repito: a prática jornalística é uma prática educativa. Educativa para o bem ou para a deformação, para a ética ou antieticidade, mas existe sempre como uma prática educativa.” (ANA MARIA ARAÚJO FREIRE, entrevista em 08/04/2002)





A opinião de Sérgio Guimarães é semelhante. Para ele, o ato de informar em si já implica um processo educacional:

“A meu ver, não existe essa questão do “eu simplesmente informo”, ou “eu faço mais do que isso, eu educo”. Aliás, se há uma contribuição que nós fizemos, naquela reflexão sobre os meios de comunicação de massa –Sobre Educação– Diálogos Vol. II – foi justamente o exercício, que na época eu iniciei, de discutir com ele um aspecto que com certeza ele não havia tratado antes. Eu estava intrigado há tempos com essa questão dos meios de comunicação de massa, como algo que caracterizava a nossa época, ou seja: a presença de meios de comunicação que, mesmo não se considerando formalmente educativos, na realidade já estavam a desenvolver um papel educativo, ainda que não sistemático como a escola o faz, no que diz respeito à formação da mentalidade das pessoas. Para mim, esta distinção – que poderia ser feita por alguns, entre o informar e o educar – não existe como algo separado. Não acredito que uma pessoa possa dizer que está apenas informando, sem que isso constitua, de uma forma ou de outra, parte de um processo pedagógico. Para que o indivíduo possa absorver determinada informação que um jornalista transmite, o leitor, o ouvinte, o telespectador precisa necessariamente desenvolver um processo de aprendizado, um processo educativo, quer, repito, o jornalista esteja consciente, quer não. (SÉRGIO GUIMARÃES, entrevista em 06/05/2002)












A respeito do pensamento de Freire, caso ele tivesse se ocupado teoricamente da questão do Jornalismo, Ana Maria Araújo Freire acredita que seria análogo a seu pensamento sobre Educação:

“Se você tivesse perguntado a Paulo Freire , ele diria ‘Claro, claro, claro!’ (...) Paulo tinha uma coerência entre o sentir, o observar, o pensar, o refletir e o agir. Ele não teria uma posição para determinada coisa e uma posição para outra. Quando ele fala na escola, na educação, ele está falando também nos meios de comunicação de massa.” (ANA MARIA ARAÚJO FREIRE, entrevista em 08/04/2002)




Considerando sua própria prática como jornalista, Ricardo Kotscho aponta a necessidade da crítica transformadora, da qual Freire se ocupou em seus estudos, tanto no aprimoramento da Educação como do Jornalismo:

“Com toda certeza, Paulo diria que precisamos trabalhar de acordo com a realidade existente - seja no jornalismo ou na educação - e, ao mesmo tempo, lutar para transformá-la. Em qualquer circunstância, em qualquer escola ou redação, é possível alargar os limites e promover um trabalho transformador que sirva de estímulo também para outras pessoas.(...) Sempre defendi um jornalismo distante dos gabinetes oficiais, feito nas ruas, nos lugares onde as coisas acontecem, sem dogmas nem teorias, conversando com pessoas que não têm telefone nem e-mail e não constam das agendas da maioria das redações. Neste ponto, me identifico muito com as reflexões de Paulo Freire sobre as práticas educativas e penso, sim, que elas poderiam ter aplicação também na prática jornalística.” (RICARDO KOTSCHO, entrevista em 05/03/2002)







Conclusões



Este trabalho teve como propósito trazer à tona as idéias de Paulo Freire sobre Jornalismo e Mídia, até então dispersas em sua obra ou nas memórias daqueles que com ele conviveram. As questões abordadas - que correspondem aos hábitos de consumo de informação de Paulo Freire, à diferenciação entre os meios e veículos, à crítica à televisão e à subutilização da mídia, à neutralidade e à liberdade de imprensa – são o resultado da cruzamento entre aspectos importantes da discussão sobre Jornalismo e Mídia e as questões por Paulo Freire em sua obra ou em suas conversas.
Freire não apenas considerava o jornalismo como atividade intelectual com uma particular “sensibilidade da existência”, como pessoalmente utilizava intensivamente a mídia como fonte de informações sobre o mundo. Distinguia entre o bom e o mau jornalismo e apontava a questão política como o maior obstáculo para que o primeiro se realizasse, embora, como na educação, não aceitasse uma posição fatalista neste sentido e apontasse o enfrentamento real da prática como uma necessidade, tanto para orientar uma crítica consistente quanto para lhe dar sentido.
Evidentemente, as questões levantadas por este artigo não dão conta da enorme gama de possibilidades que, embora nunca tenham sido objeto de um trabalho sistemático por Paulo Freire, podem ser abertas pela aplicação de suas idéias para a prática jornalística e midiática. O exercício intelectual que permite a aplicação da filosofia práxica de Paulo Freire nas mais diversas áreas de conhecimento merece ser permanente, e no caso do Jornalismo, deve levar em conta não somente as idéias explícitas sobre o tema, mas principalmente o arcabouço teórico e as opções de valor que edificam o trabalho do educador como uma das mais importantes contribuições brasileiras à cultura ocidental no Século XX.

 

Bibliografia

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Entrevistas

ANA MARIA ARAÚJO FREIRE, Doutora em Educação, viúva de Paulo Freire e depositária de sua obra, via ligação telefônica Florianópolis – São Paulo, concedida a Mariana Bittencourt Faraco em 08 de abril de 2002
LUTEGARDES DA COSTA FREIRE, filho mais novo de Paulo Freire e um dos responsáveis pelo Instituto Paulo Freire, ONG que coordena inúmeros projetos relacionados com o trabalho do educador, via e-mail, concedida a Mariana Bittencourt Faraco em 04 de março de 2002
PAULO FREIRE, em sua residência em São Paulo, concedida a Eduardo Meditsch, em 1987
RICARDO KOTSCHO, jornalista em atuação na Folha de São Paulo, organizador do livro dialogado entre Paulo Freire e Frei Betto Essa Escola Chamada Vida, via e-mail, concedida a Mariana Bittencourt Faraco em 05 de março de 2002
SÉRGIO GUIMARÃES, formado em comunicação social e mestre em Linguística, co-autor de cinco livros dialogados com Paulo Freire, atualmente representante da Unicef na Guiné-Bissau, via ligação telefônica Brasil – Guiné-Bissau, concedida a Mariana Bittencourt Faraco em 06 de maio de 2002, complementada por e-mail em julho de 2002.